Hoje
é dia dos avós, em homenagem aos pais de Maria, mãe de Jesus na tradição Católica.
Eu
praticamente não conheci os pais do meu pai. Partiram dessa existência quando
eu era muito pequeno e a única lembrança que tenho da minha avó paterna foi uma
visita em sua casa, eu deveria ter uns quatro anos de idade.
Me
lembro de que ela estava sentadinha no sofá e não se lembrava de quem era meu
pai. A velhice possui um lado triste também.
Cresci
mesmo foi na casa dos meus avós maternos, apesar de eu sempre chamar de “casa
da vó Cida”.
Meu
avô materno eu conheci bem, sempre achei seu nome muito bonito: Áureo.
Magrinho
como um passarinho e absolutamente em todos os momentos com o companheiro entre
os dedos, a fumaça azulada sempre ao entorno e o cheiro nicotinado em todos os
abraços. Abraços com muito carinho em que eu sentia as suas costelas e ficava
impressionado com tamanha magreza.
Carinhoso,
sim, nos presenteava com balas toffee e ensinava a torcer para o Corinthians.
E
teve a minha vó Cida (pausa pra respirar fundo).
Essa
grande mulher foi (é) uma das figuras mais importantes da minha vida.
O
abraço de mãe ursa com o sempre presente sorriso que espremia seus olhos ao me
ver chegar e dizendo “Ele chegoooou”.
Eu
era magro, muito magro mesmo (oi, vó?), não comia nada (segundo o que me dizem)
e causei preocupação por causa disso na infância, tomei Biotônico Fontoura,
Calcigenol e uma série de outras receitas pra ver se resolvia o tal problema.
Mas
quem me tratou mesmo foi a vó Cida.
Mingau
de aveia e maizena todas as manhãs (à época eu madrugava com facilidade por causa do calor escaldante) e o
ovo quente inigualável. Não sei como ela fazia, mas a clara do ovo ficava
cozida e a gema semimole. Era quebrar a ponta da casca, colocar uma pitada de
sal, beber a gema e raspar a clara.
Ela
cozinhava como ninguém. Aprendi com ela muito do que sei de cozinha. Virei
muito nhoque, bati muita massa de bolo e torta, martelei muito bife de segunda
(o melhor que já comi em todos os tempos) e me esbaldava com todas as “sobras”
de tudo o que não era servido.
Somente
naquela cozinha eu vi uma das coisas mais bonitas em termos de magia culinária.
A
feitura da bala de coco gelada!
Ela
tombava mais de um quilo de liquido fervente de açúcar na pedra fria e esticava
aquela massa no ar, com as próprias mãos, esticando e batendo novamente uma
ponta na outra, fazendo “plac, plac, plac”,
conforme aquilo ia se transformado de transparente para cor branca e “enchendo de ar” como ela mesma dizia.
Ela
não utilizava luvas. Não precisava, apesar da alta temperatura, era uma afronta
a qualquer análise de segurança do trabalho.
Ela
tinha um salão de beleza nos fundos da casa, com o qual criou os cinco filhos e
pagou religiosamente as parcelas da casinha no bairro humilde de Araraquara, no
interior de São Paulo.
Eu
me divertia com tudo aquilo e pintava o casco da Xuxa com várias cores de
esmalte (Xuxa era o cágado que cresceu comigo e adorava comer as minhocas que
eu tirava da terra).
A
casa da vó Cida tinha tudo o que era bicho: cachorro, papagaio, periquito,
tartaruga, coelho e chegou a ter até macaco. Era a incrível paixão dela pelos
bichos e a mentalidade da época que permitia. Quem sou eu pra julgar.
Mas
eu gostava mesmos era dos passarinhos que pousavam livremente e desfilavam nos pés de
jabuticaba, caqui, pitanga e tantos outros.
Ela
cortou meu cabelo durante toda a infância e, pra fazer o "pezinho", pedia pra eu
procurar a lagartixa no chão. Sempre dava certo pra ela cortar direito. Só que
uma vez eu achei de verdade, o pequeno lagarto estava lá e a alegria foi tanta
que rimos até chorar.
Não
tem como não chorar de novo lembrando disso agora.
Minha
avó ameaçava, mas nunca me bateu de verdade. Eu respeitava ela pra caramba, não só porque ela era durona, mas porque não podia cogitar que ela ficasse triste comigo, nunca por medo.
Ela
era Católica e sempre que ouvia uma notícia ruim na televisão ou no rádio (ela
adorava o programa do Madalena), dizia: - Mais pode Deus!
Durante
muitos anos eu ouvi: Mais pó de Deus!
E imaginava um velhinho barbudo jogando poeira mágica sobre a terra.
Lambari
é um peixe de rio, pequeno, esperto e bom de briga. Mas pra mim é e sempre será
o apelido carinhoso que minha vó Cida me deu.
Sorte
a minha por ter convivido com essa criatura por tantos anos na minha vida e vou guardá-la pra
sempre no coração.
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